ATAULFO ALVES de Sousa / Miraí, MG (02-05-1909) - Rio de Janeiro, RJ (20-04-1969)
Por: Maria do Carmo Nogueira da Gama
Minas Gerais, o coração do Brasil. Um coração de ouro num peito de ferro, diz, orgulhoso, o mineiro, que trabalha em silêncio. Quem te conhece não esquece jamais. Seu ouro é do mais puro quilate. Para ficar só na música, Milton Nascimento, cidadão do mundo nascido nas Gerais, e seus companheiros. Pra ficar só no samba, enquanto Ary Barroso chorava suas mágoas "num copo de Ubá" e enaltecia a Bahia, Ataulfo (Miraí, MG, 02/05/1909 Rio de Janeiro, RJ, 20/04/1969) cantava a pequena Miraí. Nasceu em uma fazenda e fazia versos, aos 8 anos de idade, para acompanhar os improvisos do pai, sanfoneiro e repentista.
Antes de se dedicar à música, fez um pouco de tudo. Acompanhando um médico, mudou-se para o Rio e para ele trabalhava dia e noite. Cansado, abandonou o médico e foi lavar vidros em uma farmácia. Tornou-se prático de farmácia e à noite, no Rio Comprido, onde morava, acompanhava as rodas de samba. Aos 19 anos tocava violão, cavaquinho e bandolim. Aos 19 anos, ainda, se casou com Judite. Organizou um conjunto e animava as festas do bairro. Aos 20 anos (1929) começou a compor e se tornou diretor de harmonia de um bloco organizado pelos moradores do bairro, o Fale Quem Quiser.
"O mais elegante", diziam de Ataulfo. Gentil e refinado. Conta o compositor: "Quando fui apontado como um dos dez mais elegantes pelo Ibrahim (Ibrahim Sued, colunista social), eu aparecia na fotografias com um terno de dez anos atrás. É que, naquela época, eu não podia pagar um bom alfaiate. Mas depois de eleito, surgiram grandes alfaiates que, interessados em ganhar publicidade, ofereciam-se para me fazer roupas de graça..."
Sexta-Feira foi sua primeira composição a ser gravada. Era o ano de 1933. Bide, que fazia sucesso com Agora é Cinza (c/ Marçal), ouviu algumas músicas de Ataulfo e apresentou-o a Mr. Evans, diretor americano da Victor. E Almirante gravou Sexta-Feira.
Conta Ataulfo: "OK, OK. Mr Evans me olhava e só dizia OK, OK. Eu não entendia bem. Mas o americano lá pelas tantas disse: ‘Vou telefonar pra cantora, para ouvir as suas músicas’. Veio a Carmen Miranda. Ela ouvia, ouvia e me olhava, até que disse: - Você não é aquele rapaz lá da farmácia? Perfeitamente. Mas você não era compositor! Mas você não era cantora!" E os dois deram boas gargalhadas.
Em 1935, por intermédio de Almirante e Bide, Floriano Belham gravou seu primeiro sucesso, Saudade do meu Barracão. Menina que Pinta o Sete (c/ Roberto Martins) foi gravada pelo Bando da Lua, ainda no ano de 1935.
Sílvio Caldas (Saudade dela, 1936, e a valsa A Você, feita em parceria com Aldo Cabral) e Carlos Galhardo (Quanta Tristeza, feito com André Filho, 1937) foram os responsáveis por seus maiores sucessos. Galhardo viria a ser um de seus mais fiéis intérpretes.
Foi parceiro de Bide, Claudionor Cruz, João Bastos Filho e Wilson Batista (com este último venceu os carnavais de 1940 e 1941, com Oh!, Seu Oscar e O Bonde de São Januário e, ainda Eu Não Sou Daqui, Papai Não Vai, Terra Boa).
Orlando Silva foi outro grande intérprete de Ataulfo. Errei, Erramos, foi por ele gravado em l938.
Como intérprete, as primeiras gravações de Ataulfo foram Leva Meu Samba... e Alegria na Casa de Pobre (com Abel Neto).
Em 1942, as dificuldades financeiras e o desinteresse dos intérpretes em gravar suas músicas, fizeram com que ele gravasse, para o Carnaval Ai, que Saudades da Amélia (c/ Mário Lago). A música foi feita a partir de 3 quadras que Mário Lago lhe dera. Ataulfo fez algumas alterações na letra original para adaptá-la. Mário Lago não gostou. A gravação contou com o acompanhamento do grupo Academia do Samba, um grupo organizado pelo compositor e com a abertura de Jacob do Bandolim. Foi um enorme sucesso. Três meses depois, Ataulfo voltaria a Odeon para nova gravação, agora com orquestra.
Com Mário Lago comporia ainda Atire a Primeira Pedra (Carnaval de 1944) e Capacho e Pra que Mais Felicidade (1945).
Criou o grupo Ataulfo Alves e suas Pastoras quando se definiu por interpretar ele mesmo suas canções. O nome foi sugestão de Pedro Caetano. Com Olga, Marilu e Alda, a primeira formação do grupo, lançou os sucessos Inimigo do Samba (c/ Jorge de Castro, 1943), Todo Mundo Enlouqueceu (c/Jorge de Castro), Boêmio Sofre Mais (c/ Floriano Belham, 1945) , Vá Baixar Noutro Terreiro (c/Raul Marques, 1945) e Infidelidade (c/ Américo Seixas, 1947).
Fim de Comédia e Errei, Sim, foram gravadas na década de 1950 por Dalva de Oliveira, relatando o fim de seu casamento com Herivelto Martins.
Em um show realizado na boate Casablanca, em 1954, lançou o samba Pois É. Inspirado na música, Pancetti pintou um quadro e o ofereceu ao compositor. Em contrapartida, Ataulfo compôs, com J. Batista, a música Lagoa Serena, em homenagem a Pancetti. Este fez outro quadro dedicado ao compositor, com o mesmo nome, Lagoa Serena. A música Pois É só foi gravada em 1955, pela Sinter, por problemas de contrato com a Victor
Na Sinter, foi gravado o LP Ataulfo Alves e suas Pastoras (1956). No ano seguinte ele compôs Vai, Mas Vai Mesmo, grande sucesso do Carnaval de 1958.
Meus tempos de Criança, composto ainda em 1957, no qual relembra sua infância e as pessoas que o influenciaram (Que saudades da professorinha/ Que me ensinou o bê-a-bá ...) mostra o lado nostálgico do compositor. Floripes Argenta de Souza era a professorinha. Uma bela e lírica canção.
Em 1961 foi para a Europa, convidado por Humberto Teixeira, integrando uma caravana de divulgação da música popular brasileira. Interpretou Mulata Assanhada e na Cadência do Samba. Um fato interessante ocorrido na excursão, narrado por Ataulfo: "Numa boate em Estocolmo entrei em cena sozinho, como estava ensaiado. Antes que começasse a falar, algumas vozes começaram a cantar: ‘Nunca vi fazer tanta exigência...’ Senti um nó na garganta, sem saber o que fazer. Aí lembrei-me de Chico Alves, que me dizia que nessas horas era bom se contrair todo e fazer figa. Assim que pude peguei o violão e comecei a cantar Amélia, com todos me acompanhando. Quando saí do palco, chorei de emoção"
Ainda em 1961 fundou a ATA (Ataulfo Alves Edições) e editava suas próprias músicas. Data dessa época o fim de Ataulfo Alves e suas Pastoras, então já integradas por Nadir, Antonina, Geralda e Geraldina.
Fez uma temporada no Top Club, no Rio de Janeiro, em 1964. Sentiu agravar-se uma úlcera no duodeno, mas voltou ao exterior em 1966 como representante do Brasil no I Festival de Arte Negra, em Dacar, Senegal.
O surgimento da bossa-nova e do iê-iê-iê nacional foram assimilados por Ataulfo. De outro lado, os jovens gostavam de suas músicas.
Assim, em 1967, veio um novo sucesso com Laranja Madura. Roberto Carlos gravou Ai, que Saudades da Amélia. E Ataulfo fez parceria com Carlos Imperial
Você passa e eu Acho Graça, Você Não é Como as Flores e sua última música, Mandinga, foram feitas com Carlos Imperial, que concluiu Mandinga, já que uma intervenção cirúrgica, em decorrência de sua úlcera, o impediu de terminar. Foi-se o grande sambista carioca, nascido em Minas. Clara Nunes, também carioca, nascida em Minas, gravou Mandinga e Você passa e eu Acho Graça, pela Odeon.
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